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sábado, 2 de julho de 2011

Só um vazio

De frente para a janela, os carros atropelavam seus tentados sonhos. Deitada, ela podia ouvir o mundo, ruidos de uma conversa próxima, suas recordações; ouvia o recente choro agora ausente de uma criança morta. Misturava-se à sua frente o amontoado de vozes do cotidiano, que ecoavam por entre a soturna lembrança da perda do filho. Havia dias que não dormia bem. Acumulava-se para isso esta eterna labuta do cotidiano. Ter de trabalhar, dívidas a pagar, ter de acordar e tudo isso viver. Era inevitável ter de viver, mas viver tinha sido até ali esperar. O dia-a-dia era o espaço em suspenso ao aguarde do fim do primeiro ciclo, o ciclo materno de ser para continuar sendo. A realidade desfacelara-se à sua frente e, impotente, ela, Juliana Sabatela, não conseguia dormir. Pouco a pouco seu mundo lúcido confundia-se com o horizonte onírico da verdade. Não fosse pelas frequentes visitas que ela, por vários querida, recebia, talvez tivesse mesmo perdido-se para sempre. O sentido do outro era confirmar a realidade compartilhada com o outro, e nossa mente, quando muito sozinha, multiplica-se e abranje, tornando-se companhia e realidade única, tornando-nos loucos. Ela demonstrava claros sinais de perda da razão, e vinha mesmo preocupando os que lhe cercavam. Mas os que mais intimamente conheciam de pé de ouvido sua história de vida, por mais que se sensibilizasem ainda mais, por outro lado entendiam perfeitamente o porque do surto. Há quatro anos que Ivan a acompanhava mensalmente para que se cumprisse o tratamento conceptivo. Quando finalmente Renan nasceu, a juventude daquele casal eternizara-se no novo ser, e todos os projetos de ambos, lançados pela precisão da razão, rompiam-se agora, largando-os num mundo sem chão.

                                                                                                                   Para     
                                                                                                                    Tatá    

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