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sexta-feira, 8 de julho de 2011

A Mosca

Ivan pensava: “tirando as pessoas que têm animais de estimação, à todas as outras restam as moscas e pernilongos”. Pensava isso sorrindo o mínimo, sozinho enquanto descansava da leitura e fumava seu tabaco. “Mas só as moscas tem nosso ligeiro respeito, afinal, aqui, todos matam os pernilongos... é claro, tem a ver com isso, vocês não nos sugam...”. A mosca à sua frente parecia nada apreender e, enquanto isso, perambulava indiferente de um lado pro outro de sua calça vestida, naquelas pernas estiradas e bem relaxadas apoiadas sob uma cadeira. “Quando nos incomodam?”, perguntava à si mesmo e à mosca, “sim! incomodam! ficam às vezes em bando né, atazanam nossos almoços... mas ainda assim não lhes temos ódio, não lhes matamos, vocês bem sabem disso, nós lhes toleramos!”. Até então, olhava-a fixo e atentamente, em só mais um solilóquio, quando, então, sentiu poder senti-la e, focando-se ainda mais, negando implícitamente poder estar louco, disse a si para ela: “dona mosca, sabe que eu não te mataria não é mesmo?! Porque não dá sinal de entender-me?”; perseguia-a inquieto e imóvel; ela voava baixo e pousava perto, sem nunca afastar-se das pernas cobertas de Ivan. “Nenhuma outra espécie animal macroscópica passa mais tempo com nós humanos, pura e simplesmente porque é chato lidar com vocês, incomodam-nos, mas seria incomodo maior o trabalho de uma por uma lhes exterminar, vocês são chatas precisamente o quanto são rápidas e, assim nós convivemos, conflitando tolerância e repugnância, apenas por ser mais cômodo”. Ele passou a evitar gestos bruscos, evitava inclusive soltar as suas baforadas de fumo na direção de suas estiradas pernas, palco de toda aquela peça. Não queria expressar reações que incitassem medo, queria parecer solicito e cordial, pura afetividade receptiva. Aquela não era a primeira vez que tentava comunicações tal qual esta, ou ainda investidas telepáticas semelhantes e, fosse pelo que fosse, mais valia a experiência de pensamento do que o tribunal da razão cinemática, projetista de um filme só. “Dona mosca, pouse no livro em minha mão, como prova de compreensão... sem medo, sou honesto em não lhe atacar...”. A mosca pareceu mesmo imobilizar-se, dar-lhe atenção; até que, derrepente, levantou voo e partiu. Seria o fim da estória se, dois minutos após, não tivesse a mosca voltado num rasante e, surpreendendo Ivan, pousado magistralmente sob o livro em sua mão. De pasmo, tornou-se resoluto por um ato de reflexão imposta e, pensou dizendo: “Olá dona mosca! agora preciso saber se és dona mesmo ou se és Zé! hahaha!”, enquanto acompanhava-a desfilar por sobre as folhas abertas e pela capa do livro em mãos. Ivan girava-o, observando-a e, a ex-tímida mosca, agora era quem parecia mais se entreter. Então, voou de vez.


Igor L. C.

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